segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O TRAÇO DO ARQUITETO
 
Da arquitetura para os móveis
 


Oscar Niemeyer já havia se tornado um dos nomes mais importantes da arquitetura moderna brasileira quando resolveu desenhar mobiliário.
 
A nova faceta desse arquiteto carioca, reconhecido mundialmente por seus edifícios de linhas curvas e sensuais, como os prédios que projetou em Brasília, floresceu nos anos 1970. Certamente é também um dos mais longevos de sua profissão - se não o mais. Na tarde de segunda-feira, 26, quando eu escrevia este blog, Niemeyer, de 104 anos, continuava internado no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, fazendo hemodiálise.
 
"Mas, na verdade, meu pai já desenhava móveis. O mobiliário de nossas casas sempre foi projetado por ele", explica Anna Maria Niemeyer, única filha do arquiteto, com quem ele assina a linha de mobiliário que criou.
"Ele fazia os croquis, mas, como não tinha muita paciência, cabia a mim desenvolver a peça", disse Anna, que morreu em junho deste ano, aos 82 anos de idade.
 
Em depoimento ao site da Fundação Oscar Niemeyer, o pai explica a parceria com Anna, que se especializou em ambientação de interiores e começou a colaborar desde muito cedo com ele.
 
"Desejávamos, minha filha Anna Maria e eu, encontrar um novo desenho de mobiliário que permitisse com o uso da madeira prensada imaginar coisas diferentes dos móveis tradicionais. E, como essa ideia se aproximava da técnica arquitetural, procuramos reduzir apoios, integrando-os nas formas curvas adotadas."
 
No livro "Móvel Moderno no Brasil" (Studio Nobel), de Maria Cecília Loschiavo dos Santos, Niemeyer explica como essa vertente de seu trabalho de certa forma complementa seu ofício de arquiteto.
 
Segundo ele, ao projetar uma construção, o arquiteto já prevê os espaços entre os móveis. Só que nem sempre o mobiliário é colocado exatamente da forma prevista, o que prejudica o que foi pensado pelo arquiteto.
 
"Nós procuramos sempre marcar os lugares os móveis, mas, mesmo assim, às vezes eles não estão de acordo com a arquitetura, e o ambiente se faz sem a unidade que a gente gostaria", explica ele no livro.
 
POUCOS MÓVEIS, PORÉM, SIGNIFICATIVOS
 
 Embora constituída de poucas peças (segundo depoimento de Anna Maria, chegam a uma dezena), a linha de mobiliário de Niemeyer tem lugar garantido na história do design de móveis brasileiros.

"Niemeyer fez parte de um grupo de pioneiros que animaram o movimento de modernização do mobiliário brasileiro e introduziram o desenho industrial no país", observa o arquiteto Julio Katinsky, pesquisador e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP).

A primeira peça projetada pela dupla foi a poltrona Alta com banqueta e seu protótipo usou lâmina de aço na estrutura, que, curvada, é fixada no assento e no apoio, estofados e revestidos de couro.

Poltrona "Alta", com banqueta

A filha Anna Maria lembra que foi um desafio e tanto tirar a peça do croqui. "Naquela época, não era possível fazer essa poltrona no Brasil. Não tínhamos a lâmina de aço aqui e também não era possível importar."
 
Vivíamos o período da ditadura. Por sua ligação com o comunismo, Niemeyer estava entre os 223 professores que se demitiram da Universidade de Brasília (UNB) em 1965, em protesto contra a interferência do governo militar.
 
No ano seguinte, ele se mudaria para a capital francesa, onde instalou um escritório nos Champs-Elisées e fez projetos para países como Argélia, Itália e Portugal, além de França. Foi lá que encontrou uma indústria de móveis que tinha a tecnologia para fabricar as primeiras peças da poltrona Alta.
 
Madeira prensada - Somente mais tarde, ainda nos anos 1970, uma empresa no Brasil, a Tendo Brasileira, que pertencia a japoneses, ajudou pai e filha a desenvolver a poltrona, substituindo a lâmina de aço por madeira prensada.
 
A execução do móvel com madeira prensava facilitava a produção, além de permitir uma economia maior de material.
 
No livro "Móvel Moderno no Brasil", Niemeyer comenta: "É interessante assinalar como a técnica da madeira prensada nos aproxima da arquitetura: a mesma possibilidade de formas novas, o mesmo empenho em reduzir a seção e simplificar o sistema construtivo."
 
Assim, o mestre das possibilidades construtivas do concreto armado escolheu a madeira prensada como base para seus móveis.
 
Naquela época, esse material era bastante usado em cadeiras suecas. Niemeyer resolveu projetá-lo em superfícies maiores para construir cadeiras, poltronas, mesas, cadeiras de balanço, espreguiçadeiras e marquesas.
Além da madeira e do couro, empregou a palhinha para assento e encosto, uma de suas marcas.

 
 Marquesa de madeira prensada ebanizada com assento de palhinha natural (1974)
Mesa com estrutura de madeira prensada folhada (pau ferro), de 1985


 Sofá de madeira prensada e couro (1990)

Para valorizar as linhas curvas da madeira, em geral, as peças têm apoios reduzidos, como a cadeira de balanço de linhas sinuosas desenhada em 1977, feita de madeira prensada, laqueada de preto e revestida de palha.

A peça mais famosa de Niemeyer é a cadeira de banlanço de madeira prensada, palhinha e almofada de rolo de couro. Neste projeto de 1977, as linhas sinuosas e sensuais que marcam sua arquitetura se repetem no móvel.
Na lista dos móveis desenhados por Niemeyer figura ainda a mesa com tampo de vidro que não é fixado exatamente no meio, única peça feita em parceria com o designer italiano Federico Motterle, em 1985.
 
PEÇAS DISPUTADAS - Pouco conhecida no Brasil, a linha de móveis do mestre arrebatou uma legião de fãs no exterior, especialmente na Europa, com destaque para a França.
 
Contribuiu para isso, talvez, certa descontinuidade na produção. Quando a Tendo fechou, os móveis passaram a ser fabricados pela Teperman durante os anos de 1980. Depois disso, saíram de linha por um longo período.
 
"Foi uma época em que as peças que existiam no mercado chegaram a ser vendidas em leilão no exterior por preços altíssimos", revelou Anna Maria Niemeyer. Em 2006, a Fundação Oscar Niemeyer fez uma parceria com a empresa Office Brasil para relançar parte do mobiliário, o que também não foi adiante.
 
Os móveis de Niemeyer já participaram de exposições nos mais importantes museus e feiras europeus, como o Centro George Pompidou, em Paris, o Chriostro Grande, em Florença, a Feira Internacional de Colônia, na Alemanha, e o Salão Internacional do Móvel de Milão.
 
Para não deixar em branco, um pouco da arquitetura de fato do mestre:
 
Auditório do Ibirapuera, em São Paulo (2002)
 
 Museu de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro
 
Vista de dentro do Museu de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro
 
 Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, projetado em 2001. Também é conhecido como Olho de Niemeyer devido ao formato da construção.
 
 
Fonte: 101 Anos de Designer, Editora Abril.

 
 
 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A MORTE DO BEGE. SERÁ MESMO?
 
Para alguns, chegou ao fim a era dessa cor icônica


Em um artigo escrito para a revista "Conceitual", da ABD, o designer de interiores Fabio Galeazzo é categórico: chegamos ao fim do uso imperativo do bege.
 
Será mesmo? O que fazer com os belíssimos ambientes nascidos de uma palheta coalhada de tons terrosos, brancos diversos, beges de todas as estirpes? Para ele, esses são ambientes do passado e evocam uma terrível sensação de mesmice, de falta de ousadia.
 
Ouso discordar um bocadinho desse profissional que eu respeito muito: cor demais em um ambiente é sufocante, enjoa fácil. Igual a um perfume vaporado em excesso.
 


Ambientes criados pela designer Débora Aguiar, que tem um longo trabalho baseado em tons terros, beges e brancos variados.
 
Prefiro usar as cores em sussurros, em pinceladas. Um toque aqui, outro ali, sempre tendo como base cores neutras. Isso me parece mais sensato, me dá a sensação de harmonia, paz, de que a decoração vai "durar" mais, que passará ao largo do decor datado.
 
Estou errada? É só uma sensação? Ainda sou uma designer do passado? Pode ser. Não sou imune à crendice popular que prega o espanto a tudo aquilo que soa novo demais.
 
Mas, voi là. Cor é vida, sempre. Com parcimônia, acho, fica melhor. Para saber qual é o seu tom, leia o artigo de Galeazzo reproduzido abaixo:
 
A MORTE DO BEGE
O chic frígido e os sofás imundos
 
 
por Fabio Galeazzo
 
As mudanças sócio-comportamentais do mundo digital, e econômuicas, ocorridas pela ascensão dos países emergentes, e que diariamente invadem e transformam nosso estilo de vida e hábitos de consumo, têm gerado resultados irreversíveis na humanidade.
 
Na decoração, felizmente, é cada vez mais crescente o número de profissionais que adotam o uso da cor na busca de soluções estéticas que refletem a própria personalidade e a dos clientes.
 
O que antes era considerado pelos "cromatófobas" como extravagante e ousado, no mundo contemporâneo tornou-se uma ferramenta na busca pela liberdade de expressão.
 
Segundo Jung, "as cores são a língua nativa do subconsciente". Não só refletem nossos valores, mas afetam e moldam a maneira como vivemos -- por vezes funcionando como um antidepressivo, um antídoto contra a tristeza; uma terapia.
 
Com isso, é libertador notar que, chegamos ao fim do uso imperativo do bege, cor que ascendeu na história da civilização ocidental como fórmula infalível para se evitar mensagens indesejadas, tornando-se símbolo de uma época em que os conceitos de bom-gosto vinham de fora para dentro de mode etnocêntrico.
 
Para mim, um ambiente todo bege, muitas vezes é impressionanantemente sombrio e tedioso e conta uma história de superficialidade, um testemunho dos tempos de uma sociedade regida pelo medo pela insegurança.
 
Medo de amar? Medo de errar? Insatisfação? Vontade de agradar a tudo e a todos? Não suporta críticas? Não ouse, escolha o bege!
 
É triste, neste momento onde tanto se comenta sobre economia criativa, vivermos em um dos maiores laboratórios do mundo e, ao folhear revistas e visitar mostras de decoração, notar o crescente número de colegas que mergulham nesse universo chic-frígido das camas sem tesão e dos sofás imundos disfarçados pelo tom bege.
 
Perguto: onde buscamos nossas raízes? Nossas referências? Em algum hotel de Milão? Na vizinha Miami? Hello, brasilidade!
 
Claro, toda unanimidade é burra e simplesmente gongar, repudiar e tripudiar sobre o excesso do bege seria ato desrespeitoso com um passado glorioso e um presente internacionalmente reconhecido. Tem quem gosta e deve ser respeitado.
 
Quer inovar? Sede de amar? Provocar sensações? Deixar um legado? Assuma seu tom. 


Fabio Galeazzo é designer de interiores, consultor e proprietário da Galeazzo Design, empresa multidisciplinar de criação - www.fabiogaleazzo.com.br. O artigo foi escrito para o número 4 da revista "Conceitual", da Associação Brasileira de Designers de Interiores (ABD).